Especial: O “vício hereditário” de Lúcio Barreto

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“Viciado em Pelotas”. É como se define o novo presidente do clube, Lúcio Barreto, de 34 anos. Herdeiro do fanatismo áureo-cerúleo de seu pai, Carlos Barreto, ex-conselheiro do clube, Lúcio ingressou ainda jovem na direção do seu clube de coração, aos 24 anos.

Inicialmente contratado para ser o diretor de marketing, aos poucos ganhou seu espaço na direção áureo-cerúlea, chegando à presidência, 10 anos após seu ingresso. “Não é a situação que eu desejava para assumir como presidente. Mas eu não podia virar as costas para o Pelotas neste momento difícil do clube”, revelou.

Agora mandatário, Lúcio Barreto concedeu aos repórteres, Thaigor Janke e Eduardo Costa, do Rede Esportiva, uma longa entrevista. Temas como o “projeto Adidas” e o rebaixamento do Pelotas para a Série A2 do Gauchão foram tratados com a mesma naturalidade esperada pelo presidente para o retorno do Pelotas à elite.

“Estamos reorganizando o clube administrativamente para que a vida do Pelotas na Divisão de Acesso seja curta”, completou.

Lúcio Barreto deu entrevista especial ao Rede Esportiva (Foto: Elison Bittencourt)

Lúcio Barreto deu entrevista especial ao Rede Esportiva (Foto: Elison Bittencourt)


O TORCEDOR LÚCIO BARRETO

O destino de Lúcio não podia ser muito diferente do azul e amarelo. Nascido em uma família de torcedores do Pelotas, foi o seu pai, Carlos Barreto, que o incentivou a ser Lobo. “Eu sempre ouvia do meu pai, meus avós, aquelas histórias da Boca do Lobo. Não tinha como não ser Pelotas”, revelou. Entretanto, ao contrário da maioria das crianças, Lúcio sequer cogitou marcar gols na Boca do Lobo, sonhava sempre ajudar o seu clube de outra forma:

– Eu nunca levei jeito para jogar futebol. Ajudava o clube da arquibancada. Entrei na FIEL (Força Independente Expresso Lobão, antiga torcida organizada) ainda jovem, foi quando comecei a acompanhar o Pelotas por todos os lados e meu sentimento pelo clube começou a crescer mais.

Sentimento este, fácil de definir pelo mandatário. “Isto não é paixão não. Isto aí é doença”, confessou o naquele momento, sorridente torcedor, lembrando de momentos vividos na arquibancada. “Comecei a ir no estádio quando o Ademir Alcântara estava aqui. Jogava bola no colégio, botava a camiseta e dizia que era ele”, recordou.

Partidas inesquecíveis, Lúcio tem duas. Como não poderia ser diferente, duas vitórias sobre o Brasil. “Como torcedor, aquele Bra-Pel dos 4 a 0 (pelo Gauchão de 1997, assista aos gols clicando aqui) foi inesquecível. Outro muito marcante foi ano passado, pela Copa Fronteira-Sul, em que ganhamos por 3 a 0, lá na Baixada (assista aos gols clicando aqui) e eu já fazia parte da direção”.

O DIRETOR LÚCIO BARRETO

Assíduo na arquibancada durante a juventude, Lúcio nasceu em família áureo-cerúlea (Foto: Elison Bittencourt)

Assíduo na arquibancada durante a juventude, Lúcio nasceu em família áureo-cerúlea (Foto: Elison Bittencourt)

Formado em publicidade, pós-graduado em marketing e comunicação organizacional, Lúcio entrou na direção áureo-cerúlea pelas portas do departamento de marketing. “Em 2004 ingressei na direção por convite do Manoel Soares. Fazia alguns projetos e passava adiante. Na época conseguimos fazer um projeto grande com o hipermercado Big”, contou.

A diferença de responsabilidades entre um cargo na direção e a presidência tem sido amplamente notado pelo novo mandatário. “Como diretor eu montava alguns projetos e os encaminhava. Se não deu certo virava as costas e saia. Como presidente, a responsabilidade é toda em cima da gente. Mas tem sido um desafio bom, principalmente por eu poder contar com pessoas confiáveis ao meu lado neste momento”, disse o presidente.

Ao falar de sua posse como presidente, Lúcio Barreto deixou claro que não desejava assumir nesta situação. “A partir do momento em que tu entras na direção de um clube, passa pela tua cabeça almejar a presidência. Infelizmente, ela veio neste momento. Mas eu não podia virar as costas para o Pelotas neste momento difícil”.

PROJETO ADIDAS

Falou em Adidas, na Boca do Lobo, falou em Lúcio Barreto. Fã da marca assumido, foi ele um dos mentores da ideia de trazer a maior fornecedora de material esportivo do mundo para a Boca do Lobo. “Este projeto vem lá de trás, de 2011. Eu e o César Dias assumimos e fomos levando com muita cautela e paciência”, revelou.

O presidente ressalta, que os resultados da parceria com o clube são vistos com bons olhos pela fornecedora. “A gente foi pioneiro nesta forma de parceria e a Adidas nos vê como um projeto piloto que deu certo. O Pelotas é o ‘queridinho’ da Adidas”, contou Lúcio.

Criticado por alguns torcedores e dirigentes, pela possível unilateralidade do projeto, Lúcio contou que há seis meses atrás, teve sua “redenção”. “No momento em que a Adidas colocou em seu site, a camiseta do Pelotas para ser comercializada, foi a prova de que a parceria estava concretizada e tinha reconhecimento mútuo. Alí eu calei muitos críticos, que não acretivam no projeto”.

REBAIXAMENTO

Lúcio ao lado de Ítalo "Nenhum presidente deu tantas alegrias para a torcida como ele" (Foto: Divulgação)

Lúcio ao lado de Ítalo “Nenhum presidente deu tantas alegrias para a torcida como ele” (Foto: Divulgação)

O momento mais doloroso da carreira de Lúcio como dirigente veio neste ano. Com a pior campanha do Estadual, o Pelotas foi rebaixado para a Série A2 do Gauchão. “Estar fazendo parte diretamente, no cargo de vice-presidente de futebol, naquele rebaixamento foi muito doloroso”, disse o mandatário.

Para ele, a queda está servindo como aprendizado. O presidente explicou que uma somatória de erros, dentro e fora de campo, foram fundamentais para o descenso áureo-cerúleo. “Erramos em muitas coisas. De dentro de campo, ao departamento médico, até administrativamente”, confessou.

Sobre o ex-presidente Ítalo Gomes, Lúcio amenizou-o da culpa, mas enumerou alguns erros do ex-mandatário:

– O Ítalo errou em alguns pontos, como todo mundo. O peso do rebaixamento não pode cair somente sobre ele. Presidentes que rebaixaram o Pelotas foram muitos, mas nenhum deu tantas alegrias ao torcedor nos últimos anos, como ele deu. Porém ele errou em isolar-nos demais na gestão do clube. Na época eram apenas cinco ou seis que trabalhavam no futebol do clube, em um momento que precisávamos de ajuda.

Mais: PING-PONG

Lúcio foi mais além. O presidente contou detalhes sobre o projeto da Adidas, sua relação com a loja Lobomania, sua opinião sobre o rebaixamento do clube e planos para o futuro de sua gestão, entre outros temas relevantes. Confira tudo no “Ping-Pong” do Rede Esportiva, com Lúcio Barreto.

Rede Esportiva: Como foi teu ingresso na direção do Pelotas?

"Aos 24 anos fui chamado pelo Manoel Soares para trabalhar na direção" (Foto: Elison Bitencourt)

“Aos 24 anos fui chamado pelo Manoel Soares para trabalhar na direção” (Foto: Elison Bitencourt)

Lúcio Barreto: Em 2004 aceitei o convite do Manoel Soares para integrar o departamento de marketing do clube. Fui tentando colocar minha profissão (publicitário) aqui, montando alguns projetos de patrocínio.

Na época conseguimos formar um projeto grande com o Big, que estava vindo para a cidade na época. Em 2006 entrei no conselho deliberativo do clube e com o tempo, fui tomando gosto. O Pelotas aos poucos foi se tornando minha segunda casa, a gente respira isto aqui. Isto aqui é um vício, vai te tomando e te envolvendo de uma forma que faz com que tu vire apenas uma peça de tudo isso. Tu te envolve muito fácil.

RE: Como é a relação da tua família com o teu cargo dentro do clube?

LB: Eu, particularmente, sou um cara muito família. Eu tenho minha empresa, sou casado, tenho duas filhas e as vezes me dói sair de casa, antes das minhas filhas acordarem, trabalhar, vim aqui para o Pelotas e sair daqui às 10 horas da noite, chegar em casa e ver minhas filhas já dormindo. Tem dias que a gente acaba trocando o Pelotas pela família. Mas a minha mulher entende, sabe que nestes anos isto virou um sonho meu. E a gente tem um acordo: quando eu chego em casa, desligo o celular e não atendo a imprensa, nem nada (risos). Mas é um tempo que a gente tem que ter pra pensar na família.

RE: A partir de que momento tu passou a almejar a presidência?

LB: Passei a sonhar com isso, no momento que fiz parte de uma diretoria. Sei que tem muita gente que gosta dessa relação com a imprensa, mas nunca foi algo que eu gostasse muito. Quanto menos eu aparecer, melhor. E sei que tem muita gente que procura estar em uma direção para se promover e em alguns casos recentes isto prejudicou bastante. O que me fez querer ser presidente não foi essa vaidade, que muitas pessoas tem e acabam atrapalhando o andamento do clube algumas vezes. Queria ser presidente por saber que posso ajudar e colocar um pouco dessa experiência profissional aqui dentro.

RE: Tu tens algum espelho como dirigente dentro do Pelotas, ou até mesmo fora?

LB: Eu sempre me dei bem com todo mundo das diretorias. Sei de todos os defeitos que o Tavares (Carlos Augusto) tem, mas ele é um cara que admiro muito, um amigo pessoal. Ele me ajudou muito aqui dentro e eu sempre apoiei as decisões dele. Tenho uma admiração muito grande pelo Aleixo (Luis Antônio, ex-presidente do clube) também. O próprio Flávio Gastaud (atual vice-presidente do Pelotas). O Manoel Soares, que me trouxe para a direção é um cara com que tenho uma relação muito boa pessoalmente. Tenho relação boa com todo mundo, sei da importância que cada um teve para o Pelotas. O torcedor as vezes olha da arquibancada e não entende as atitudes de algum dirigente, mas quem tá lá dentro sabe que todo mundo trabalha em prol do clube.

RE: Como surgiu o “projeto Adidas”?

Camiseta azul do Pelotas de 1984 com a marca da Adidas. "As peças eram feitas por uma confeccção local (Foto: Divulgação ECP)

Camiseta azul do Pelotas de 1984 com a marca da Adidas. “As peças eram feitas por uma confeccção local (Foto: Divulgação ECP)

LB: Eu sempre fui um fanático pela marca. Em um dos meus trabalhos de conclusão de curso eu fiz uma análise em cima da marca da Adidas. E eu li um artigo sobre um executivo da Adidas que estava de volta ao Brasil após viajar pela Inglaterra e que ele pretendia implantar aqui um modelo de negócio que a Adidas aplicava em clubes menores do Reino Unido: que é o fornecimento de material sem valor de patrocínio. E com este case de Copa do Mundo, sabíamos que a marca iria querer aplicar isto aqui. Então abraçamos a ideia. Eu e o César Dias montamos uma apresentação citando as antigas camisetas da Adidas que o Pelotas usou entre 1982 e 1984, que na época eram produzidas no instituto de menores.

RE: Vocês foram recebidos pelo executivo da Adidas nesta apresentação?

LB: Sim. Conseguimos um espaço com o executivo, montamos a apresentação, levamos estas camisetas antigas e apresentamos o clube e a estrutura para eles. Mas a gente não esperava que fosse para frente. A gente foi super bem recebido pelo pessoal da Adidas, mas o assunto esfriou. Ficamos quatro meses sem receber nenhum retorno. Até que o executivo da marca fez o contato com a gente e pediu que voltássemos até São Paulo. Lá a gente conversou e ele expôs a ideia dele.

Disse que queria firmar parcerias com equipes de interior de cada estado, com torcidas expressivas. E que tinha o interesse de fornecer material para o Pelotas e para o Botafogo de Ribeirão Preto, na época. E com o tempo a negociação foi evoluindo, até que fechamos um contrato comercial. No contrato, a loja (Lobomania) compra o material e repassa ao clube. E hoje em dia somos muito bem vistos por eles, que nos enxergam como um projeto piloto que deu certo.

O Pelotas é o “queridinho da Adidas”. E a parceria rendeu bons frutos, como a ida da equipe sub-17 para a Itália, onde a Adidas pagou a passagem de alguns jogadores e forneceu todo o material esportivo. A gente tem ciência de que perdemos algumas vantagens em termos de velocidade, em relação a fornecedores locais. Mas é uma marca gigante e que está ao nosso lado. Se a gente estiver bem organizado dá para colher mais frutos ainda desta relação.

RE: Qual foi, na tua opinião, o principal fator que resultou no rebaixamento do Pelotas?

Lúcio pediu ajuda para assumir a presidência. "Pedi que pessoas experientes e confiáveis estivessem ao meu lado para me auxiliar" (foto: Elison Bitencourt)

Lúcio pediu ajuda para assumir a presidência. “Pedi que pessoas experientes e confiáveis estivessem ao meu lado para me auxiliar” (foto: Elison Bitencourt)

LB: É difícil culpar um caso só. Diariamente a gente tem tentado fazer um raio-x, para identificar o que erramos. Todos sabem das dificuldades que tínhamos com departamento médico, atraso de salários, contratações mal feitas, entre outros. Mas o Pelotas nos dois campeonatos anteriores já havia escapado por pouco do rebaixamento, o que quer dizer que não foi somente esta direção que errou. Mas sem dúvida, erramos demais, o futebol hoje em dia é muito profissional. A gente não pode ter amadorismo, por exemplo, no departamento médico. Se a gente traz um jogador e ele fica 40 dias parado, sai mais caro para o clube, do que se tivéssemos um profissional da área médica remunerado aqui dentro. Além disso, a parte administrativa. O Pelotas parou no tempo e a gente está trabalhando nisso agora. Organizando o clube administrativamente, para deixar tudo encaminhado de forma que as coisas fluam naturalmente no futebol.

RE: Se tu fosse o presidente do clube, durante o Gauchão, faria algo diferente do que foi feito?

LB: Sim. Uma coisa que eu sempre cobrei muito do Ítalo (Gomes, ex-presidente do clube) foi não deixar a responsabilidade somente em nossas costas. Falava pra ele, para nos cercarmos de pessoas mais experientes e que ajudem a diretoria a suportar uma crise. Não foi feito e o resultado aconteceu. Não acho que o Ítalo teve culpa em tudo o que aconteceu, até porque vários presidentes rebaixaram o Pelotas, mas nenhum deu tantas alegrias para a torcida, como ele deu. Não que os títulos tenham sido só mérito dele, mas ele é um cara que merece muito e está gravado na história do clube positivamente.

RE: Portanto, tu achas que tu e o Ítalo ficaram um pouco isolados no momento de crise?

LB: Com certeza. Teve um momento em que o Ítalo se afastou e a direção do Pelotas, no dia a dia era composta por dois funcionários, o Roger Bauer (gerente de futebol na época) e o Rafael Brauner (diretor executivo na época) e de dirigentes mesmo eram eu e o Neca. Sozinhos, tínhamos que cuidar de toda a logística do futebol, de salários atrasados de atletas, de funcionários. O fardo é muito pesado. Por isto, antes de assumi a presidência eu disse, que só assumiria se pudesse me cercar de pessoas confiáveis em minha volta, para me auxiliar.

RE: Este isolamento, não seria por questões de briga política dentro do clube?

Lúcio Barreto foi um dos mentores do projeto da Adidas (Foto: Divulgação ECP)

Lúcio Barreto foi um dos mentores do projeto da Adidas (Foto: Divulgação ECP)

LB: Acredito que não. As brigas políticas acontecem em todos os clubes, as pessoas tem que saberem conduzir isto. Muita gente me dizia que eu estava entrando em uma panela de pressão, colocando na mesma direção o Marcelo Neves e o Flávio Gastaud, duas pessoas que brigaram e que não discutiam sobre o Pelotas há mais de dez anos. Mas eles brigaram por uma bobagem, eram amigos e por conta de uma eleição viraram desafetos. Mas eu estou muito contente com a resposta que venho tendo dos dois.

Quando eu convidei o Marcelo e falei para ele que queria trazer também o Gastaud, o Marcelo aceitou. Segundo ele, ao perder o seu filho (em acidente de carro, no ano de 2013) ele viu que essa briga não era nada perto da dor que estava enfrentando no momento. Isto me motivou muito a trazer o Gastaud para  direção. E os dois estão muito empenhados, em alto nível, trabalhando em prol do Pelotas. Isto está fazendo com que várias pessoas destes dois grupos tomem isto como lição e se aproximem cada vez mais do clube.

RE: Ano passado tivemos alguns confrontos entre torcidas organizadas do Pelotas. Como tu enxergas esta questão?

LB: A torcida tem que entender, que a direção precisa tomar medidas para manter a ordem no clube. A gente sabe da importância deles, a gente também saiu de lá e tudo que a gente puder fazer por eles, a gente vai fazer. Só que tem um limite que a lei não nos permite. Sempre fizemos tudo que está no nosso alcance para a torcida, porque ela dá a resposta. O título da Recopa Gaúcha sobre o Inter teve a participação clara dela, com o nosso time perdendo por 2 a 0, com um a menos e buscando a virada. Mas eles precisam entender que algumas regras a gente precisa colocar para o clube ter uma ordem.

RE: O que tu espera para o futuro do teu mandato?

LB: Eu espero deixar o Pelotas organizado. Com uma gestão profissional bem implantada, para aí sim, começarmos a colocar metas dentro do futebol: títulos, acessos. Mas eu quero sair daqui, claro, com o Pelotas na primeira divisão, mas principalmente com uma gestão organizada, o clube bem estruturado financeiramente e planejado. O futebol vem na consequência disto tudo.